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Ágora 2.0: Ascensão do neopopulismo virtual

O retorno do populismo é um dos temas do momento - no contexto do Brasil e do mundo.



No mês de maio houve um aumento expressivo nas pesquisa sobre o termo no Brasil [1]. Dentre suas principais características, destaco a relação direta e não institucionalizada do líder com as massas. Nesse sentido, é importante frisar que populismo é [2]

um projeto político de poder; um método racional que se utiliza de constantes apelos emocionais dirigidos ao público, por uma liderança polarizadora, cujo maior propósito é o de angariar a legitimação de uma maioria mais necessitada- “o povo”. Perpassa a história de regimes e continentes e veste a roupa do sistema político que lhe convém naquele momento.

Antes de abordar essa característica e analisá-la no contexto atual, é necessário acrescentar outro elemento que é fundamental para a compreensão desse fenômeno: a difusão em massa das redes sociais.

Em primeiro lugar, o líder populista tem uma relação direta com as massas, pois sua força surge exatamente como se fosse antissistema. Isso ocorre, dentre outros fatores, como resultado de uma “politização à margem dos canais institucionais existentes” [3] . Seus discursos e atuações são direcionados contra um “elite política e econômica” que vive como um parasita do povo, que deve ser libertado pelo “Messias”, pelo Salvador, pelo Pai dos Pobres.

Atualmente vemos Presidentes e Primeiros-Ministros em vários países do mundo (EUA, Itália, Hungria, Brasil etc) colocando-se contra o sistema político tradicional e utilizando-se das redes sociais para se comunicarem com seus eleitores-seguidores. Sua base de apoio popular é alicerçada no uso massivo de blogs e redes sociais, sobretudo o Twitter. Suas ideias são difundidas em grupos de Whatsapp e Facebook, criando uma espécie de bolha, na qual a informação se retroalimenta e se expande para além dos seus limites.

A internet é um terreno fértil, por onde neopopulistas podem semear suas ideias e colher os frutos entre seus eleitores-seguidores, que entendem que o modelo político vigente está falido e querem mudança, a qualquer custo. Nesse sentido, vale a pena conferir o episódio Waldo Moment da série Black Mirror, que retrata um urso azul computadorizado que, comunicando-se de forma chula e violenta, acaba entrando na campanha política atacando, sobretudo, um candidato conservador. Waldo corporifica virtualmente  o sentimento de repulsa à política tradicional. Além disso, o urso é raso no trato com o eleitorado, desrespeitoso com os adversários e não traz resoluções concretas para problemas cotidianos.

Giuliano da Empoli, em seu livro, Engenheiros do Caos, analisa de forma cirúrgica o modus operandi dos neopopulistas e seus apoiadores: “Aos olhos dos seus eleitores, as deficiências dos líderes populistas se transformam em qualidades, sua inexperiência demonstra que não pertencem ao círculo da “velha política”, e sua incompetência é uma garantia da sua autenticidade”. [4]

Utilizando-se de linguagem virulenta e carregada de preconceitos, eles pegam em armas - por enquanto virtuais - contra as elites políticas tradicionais e contra tudo o que não condiz com sua forma de pensar. Dessa forma, pretendem manter um "estado de guerra perpétuo", aos moldes de 1984, de George Orwell, contra algum inimigo imaginário para manter seus eleitores-seguidores motivados. O adversário pode ser o Globalismo, o Comunismo, a “Nova Ordem Mundial”, George Soros, a elite pensante do Vale do Silício, os chineses, os muçulmanos, os imigrantes e vários outros que ousam discordar do que é ditado pelo Grande Irmão - até mesmo antigos aliados, que, se não derem total adesão à forma de pensar do chefe, são sumariamente expurgados.

Ainda dentro da distopia de Orwell, não é difícil ver o paralelo entre o Ministério da Verdade, que na obra é responsável por reescrever fatos históricos contrários à ideologia do partido, com a atual profusão de fake news, os quais não necessariamente são mentiras, mas que distorcem a realidade dos fatos para favorecer determinada corrente de pensamento. Com isso, eles conseguem atiçar fúria dos apoiadores, “diluindo antigas barreiras ideológicas e rearticulando o conflito político tendo como base uma simples oposição entre ‘povo’ e as ‘elites’.” [5] Segundo Empoli (2019), essas emoções negativas garantem maior engajamento e, dessa forma, o sucesso das fake news.

Isso não quer dizer, contudo, que não havia fake news antes da disseminação massiva da internet e, sobretudo, das redes sociais. O que ocorre é que a Internet deu voz aos que antes eram excluídos do debate público. E os líderes neopopulistas souberam explorar bem essa carência de espaço político e essa demanda reprimida de participação, ainda que virtual, via web. Surge assim, a ágora 2.0, ou seja, um espaço virtual de debate político - fora dos meios institucionais - que se torna uma terra de ninguém, onde pode-se falar o que quiser e como quiser, sob a comodidade do anonimato.

Ainda há muito espaço - institucional ou não - para discussão sobre o assunto. O fato é que não se pode negligenciar que a difusão massiva das redes sociais modificou radicalmente a forma de se fazer política local, nacional e mundial. Hoje um clique, uma curtida, um comentário, um compartilhamento, ou seja, um engajamento forte entre o político e seu apoiador, entre o neopopulista virtual e seu eleitor-seguidor tem mais poder o like que o voto, uma vez que este - o voto - é influenciado por aquele - o engajamento nas redes.

Autor: Lucas Cordova Machado

Especialista em Processo Legislativo pelo Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados (2011). Graduado em Ciência Política pela Universidade de Brasília (2009). Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Processo Legislativo. Exerceu a função de Assessor Legislativo em Liderança Partidária na Câmara dos Deputados.


Notas:

[1] Populism: https://trends.google.com.br/trends/explore?geo=BR&q=populism

[2] https://qualidadedademocracia.com.br/populismo-e-neopopulismo-breves-coment%C3%A1rios-sobre-o-conceito-e-seus-determinantes-da1b27f664fd

[3] INCISA, L. Populismo. BOBBIO, N.; MATTERUCI, N.; PAQUINO, G. Dicionário de Política. 12. ed. Unb: Brasília, 2004.

[4] EMPOLI, G. Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. Vestigio: São Paulo. 2019.

[5] EMPOLI, G. Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. Vestigio: São Paulo. 2019.


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